segunda-feira, 21 de junho de 2010

O cérebro: os botões que podem ligar e desligar doenças mentais (parte 1)


Texto de Carl Zimmer para a revista Discover
Tradução (com autorização do autor) de João Zaneta Neto



A diferença entre uma personalidade e outra não é determinada apenas pelos genes. O amor também tem algo a ver com isso.

A coluna deste mês é um conto de dois ratos. Um deles recebeu muita atenção da mãe quando era jovem: ela lambia seu pêlo muitas vêzes ao dia. O outro teve uma vida diferente. Sua mãe raramente o lambia. Os ratos cresceram e se tornaram muito diferentes. O rato que não recebeu muitos cuidados se assustava facilmente com barulhos e relutava em explorar novos lugares. Quando estava sob stress, ele produzia grandes quantidades de hormônios. Enquanto isso, o rato que recebeu mais atenção de sua mãe não se assustava tão facilmente, era mais curioso e não sofria com ondas de hormônios quando sob stress.

A mesma história básica se repetiu centenas de vêzes em vários laboratórios. As experiências que os ratos tiveram quando jovens alteraram os seus comportamentos quando adultos. Nós todos temos a intuição de que isso também vale para as pessoas, se substituírmos o lamber do pêlo por escola, televisão, problemas familiares, e todas as outras experiências que as crianças têm. Mas há um grande quebra-cabeças escondido por baixo desta aparente verdade da vida. Nossos cérebros se desenvolvem de acordo com uma receita codificada em nossos genes. Cada uma de nossas células cerebrais contém o mesmo conjunto de genes com os quais nascemos, e usam estes genes para construir proteínas e outras moléculas pela vida afora. A seqüência de DNA nestes genes é mais ou menos fixa. Para que as experiências produzam mudanças comportamentais de longo prazo, elas devem ser capazes de alcançar nossos cérebros de alguma forma, e alterar o modo como estes genes funcionam.

Os neurocientistas estão agora mapeando este mecanismo. Nossas experiências, ao que tudo indica,  não reescrevem os genes em nossos cérebros, mas conseguem fazer algo quase tão surpreendente quanto isso. Grudados ao nosso DNA estão milhares de moléculas que ligam e desligam a atividade de nossos genes. Nossas experiências podem fisicamente rearranjar o padrão destes interruptores e, com isso, mudam o modo como nossas células cerebrais funcionam. Tal pesquisa tem uma aplicação bastante excitante. Pode ser possível que consigamos, nós mesmos, rearranjar estes padrões, e com isso tratar pessoas com alterações psiquiátricas como depressão e ansiedade aguda. De fato, os cientistas já estão diminuindo estes sintomas nos ratos.

Duas famílias de moléculas realizam este tipo de regulação genética. Uma é constituida por grupos metil, conjuntos de moléculas feitos de carbono e hidrogêneo. Uma corrente de grupos metil ligada a um gene pode impedir que uma célula leia sua seqüência de DNA. O resultado disso é que a célula não poderá mais produzir proteínas ou outras moléculas provenientes daquele gene específico. A outra família é feita de proteínas em forma de espiral, moléculas que enrolam DNA em novelos. Ao apertar esses novelos estas proteínas conseguem esconder certos genes; ao afrouxá-los, elas conseguem ativar esses genes.

Juntos, o grupo metil e as proteínas em forma de espiral - que os cientistas chama de epigenoma - são essenciais para que o cérebro se torne, antes de mais nada, um cérebro. Um embrião começa como um montinho de células-tronco idênticas. Conforme as células se dividem, elas herdam os mesmos genes, mas seus marcadores epigenéticos mudam. Continuando a dividir-se, as células passam não só seus genes, como também os marcadores epigenéticos destes genes. Cada combinação de genes ativos e silenciosos específica de uma célula ajuda a determinar o tipo de tecido ela dará origem - fígado, coração, cérebro, e assim por diante. Marcadores epigenéticos são surpreendentemente duráveis, o que explica porque você não acorda e seu cérebro começou a tornar-se um pâncreas.

No entanto, nossas experiências podem reescrever o código epigenético, e estas experiências podem começar desde antes de termos nascido. Por exemplo, para que produzam o padrão de marcadores epigenéticos apropriados, os embriões precisam receber os ingredientes de suas mães. Um dos ingredientes cruciais é um nutriente chamado de ácido fólico, encontrado em várias comidas. Se as mães não recebem ácido fólico o suficiente, seus filhos ainda não nascidos podem construir um padrão defeituoso de marcadores genéticos que fazem seus genes funcionar mal. Estes marcadores equivocados podem levar, por exemplo, a que a coluna cervical não se forme completamente (espinha bífida).

Outros elementos químicos também podem interferir nos marcadores dos embriões. Ano passado, Feng C. Zhou, da Universidade de Indiana, descobriu que quando ratos de laboratório prenhes consumiam muito álcool, os marcadores genéticos dos embriões mudavam radicalmente. Assim, os genes de seus cérebros ligavam e desligavam em padrões anormais. Zhou suspeita que a mudança do código epigenético é o que causa os sintomas devastadores da síndrome alcoólica fetal, associada com QI baixo e problemas de comportamento.

Mesmo depois do nascimento os marcadores epigenéticos no cérebro podem mudar. Ao longo da última década, Michael Meaney - um neurobiólogo da Universidade McGill - e seus colegas vêm produzindo um dos estudos mais detalhados sobre a reprogramação do cérebro a partir da experiência. Eles estão descobrindo o fundamento molecular do conto dos dois ratos.

As diferenças entre os ratos que foram bastante lambidos e os que foram lambidos apenas um pouco não são provenientes de seus genes. Meaney descobriu isso em um experimento com ratinhos recém-nascidos. Ele  pegou os filhotes de mães que não lambiam muito e os colocou com mães adotivas que lambiam muito, e vice-versa. A experiência dos filhotes com as mães adotivas  - e não os genes herdados de suas mães biológicas - determinaram suas personalidades quando adultos.

Para entender o quanto o cuidado materno alterou os ratos, Meaney e seus colegas pesquisaram atentamente o cérebro dos animais. Eles descobriram diferenças gritantes no hipocampo dos ratos, uma parte do cérebro que ajuda a organizar as memórias. Os neurônios do hipocampo regulam as respostas hormonais do stress  ao construir receptores especiais. Quando os receptores capturam hormônio, os neurônios respondem lançando proteínas que engatilham uma torrente de reações. Essas reações se espalham pelo cérebro e alcançam as glêndulas suprarrenais, dando um basta à produção de hormônios de stress.

Para produzir os receptores hormonais, no entanto, o hipocampo deve primeiramente receber sinais. Estes sinais ligam uma série de genes, os quais, por fim, fazem com que os neurônios do hipocampo produzam os receptores. Meaney e seus Colegas descobriram algo diferente em um destes genes, conhecido como o gene receptor de glucocorticoide. O pedaço de DNA que serve de interruptor para este gene era diferente nos ratos que receberam muitas lambidas, quando comparado com o dos que não receberam. Nestes últimos, o interruptor do receptor de  glucocorticóide estava encapsulado por grupos metil, e seus neurônios não produziram muitos receptores. Os neurônios do hipocampo, assim, estavam menos sensíveis a hormônios de stress, e menos capazes de diminuir a resposta dos animais ao stress.  Deste modo, eles ficavam permanentemente estressados. 

(A texto foi dividido em duas partes devido à sua extensão. Amanhã publicaremos a segunda parte.)

fonte: The Brain The Switches That Can Turn Mental Illness On and Off

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