terça-feira, 22 de junho de 2010

O cérebro: os botões que podem ligar e desligar doenças mentais (parte 2)

Texto de Carl Zimmer para a revista Discover
Tradução (com autorização do autor) de João Zaneta Neto

Estes estudos dão uma dica de como as experiências juvenis conseguem reescrever os marcadores epigenéticos em nossos cérebros, alterando nossos comportamentos quando adultos. Meaney e seus colegas não podem testar esta hipótese por meio de testes similares em humanos, é claro. Mas, no ano passado, eles publicaram um estudo que chegou bem perto disso.

O time de Meaney examinou os cérebros tirados de cadáveres de 36 pessoas.  12 deles vieram de pessoas que tinham cometido suicídio e tinham uma história de abuso quando crianças. Outros 12 tinham cometido suicídio sem tal história de abuso, e os 12 finais tinham morrido de causas naturais. Os cientistas focalizaram as células do hipocampo dos cadáveres, examinando o interruptor do gene do hormônio de stress  que eles estudaram nos ratos. Meaney e seus colegas descobriram que os cérebros de pessoas que sofreram abuso na infância tinham relativamente menos grupos metil encapsulando o interruptor, tal como os pesquisadores haviam visto nos ratos que não tinham recebido muitas lambidas quando filhotes.  E assim como estes ratos produziram menos receptores de hormônios de stress, os neurônios de pessoas que sofreram abuso infantil também tinham menos receptores.

O abuso infantil pode deixar marcas em suas vítimas de forma parecida com que a falta de cuidados dos pais afeta os filhotes de rato. O abuso parece ter alterado os marcadores epigenéticos no hipocampo. Assim, eles fizeram menos receptores de stress em seus neurônios, o que os deixou incapazes de regular seus hormônios de stress, causando uma vida de ansiedades.  O stress excessivo pode ter tido parte nos suicídios.

O hipocampo provavelmente não será o único lugar do cérebro onde as experiências reescrevem marcadores epigenéticos no cérebro. Um grupo internacional de pesquisadores comparou recentemente os cérebros de 44 pessoas que cometeram suicídio com os de 33 pessoas que morreram de causas naturais. Eles acompanharam o gene que poduz a proteína BDNF, a qual promove receptores de hormônios, em uma parte do cérebro chamada de área de Wernicke. Esta área, localizada atrás da orelha esquerda na maioria das pessoas, nos ajuda a interpretar o significado das palavras. Em março esses pesquisadores relataram que o interruptor BDNF tinha mais grupos metil ligados a ele na área de Wernicke de vítimas de suicídio que em outras pessoas.

E a influência do meio não acaba na infância. Um trabalho recente indica que experiências de adultos também podem modificar marcadores epigenéticos  no cérebro e, assim, mudam nosso comportamento. A depressão, por exemplo, pode ser uma doença epigenética em vários sentidos. Muitos grupos de cientistas têm mimetizado a depressão humana em ratos colocando-os uns contra os outros. Se um rato perde uma série de lutas contra rivais dominantes, sua personalidade muda. Ele evita ter contato com outros ratos e se movimenta menos. Quando são capazes de controlar uma máquina que aplica cocaína neles mesmos,  os ratos derrotados acabam tomando mais da droga.

Eric Nestles, um neurocientista da Escola de Medicina do Monte Sinai, em Nova Iorque, imaginava qual seria a aparência do cérebro desses ratos deprimidos. No último outono (primavera do hemisfério sul) ele reportou a descoberta de uma importante diferença na região do cérebro chamada de nucleus accumbens. Provavelmente não foi coincidência nenhuma que a depressão alterou essa região, já que o nucleus accumbens tem um importante papel no mecanismo de recompensa do cérebro, ajudando a estabelecer o valor que damos às coisas e o prazer que delas derivamos.

A mudança que Nester e seus colegas descobriram no nucleus accumbens era epigenética. Uma parte do DNA nos neurônios daquela região tornou-se mais ou menos enrolada em ratos deprimidos. Tal mudança epigenética poderia alterar de modo permanente quais genes estariam ativos nos cérebros daqueles ratos. O mesmo pode ser também verdadeiro para humanos. O time de Nestler estudou cérebros de cadáveres de pessoas que foram diagnosticadas com depressão durante a vida. Eles descobriram as mesmas mudanças epigenéticas no nucleus accumbens dos seres humanos.

Se os cientistas puderem apontar acuradamente as mudanças provocadas por nossas experiências, seria possível reverter essas mudanças. Nestler e seus colegas injetaram drogas conhecidas como inibidores HDAC no nucleus accumbens de seus ratos deprimidos. Essas drogas conseguem afrouxar os novelos apertados de DNA, tornando possível que as células ganhem acesso aos genes novamente. Dez dias depois do tratamento, os ratos estavam mais dispostos a se aproximar de outros ratos. A droga também apagou muitos outros sintomas de depressão em animais.

A possibilidade de reescrever o código epigenético em nossos cérebros pode ser excitante, mas também é assustadora. Modificar os marcadores epigenéticos não é fácil - ainda bem. Afinal, se nossos grupos metil e nossas proteínas em forma de espiral estivessem mudando constantemente, depressão ia ser o menor de nossos problemas. Nada estraga mais o seu dia do que descobrir que seu cérebro virou um pâncreas.

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